DA ERRÂNCIA

DOMINGOS FERNANDES : 2016.01.16




17 JANEIRO a 11 DE FEVEREIRO 2016 : FOTOGRAFIA

As imagens que Domingos Fernandes coloca à nossa frente obrigam-nos a pensar na intimidade decorrente da condição absoluta da própria fotografia, ora a da encenação entre dois sujeitos, ora a do intercâmbio entre corpos e objetos num só lugar.

Só que não se interessa pela proximidade física, pela metáfora clássica do espelho, pela obrigação de retratar um indivíduo específico. Pelo contrário, o seu sistema procura recriar o mundo em cuja vastidão se inscreve não apenas a trajetória do homem como o próprio olhar do fotógrafo. Ambos se produzem na errância, numa trajetória que pouco mais nos devolve que uma espécie de traço, uma presença fugaz, um fluxo. E o homem passa a ser aqui uma silhueta, um detalhe simultaneamente agregado na paisagem e que a atravessa ou nela se movimenta sem parar. Por isso há fluxo e território nestas fotografias, embora nelas seja explícita a recusa da dimensão documental. O fotógrafo constrói o anonimato das suas figuras não importa onde ou quando. Não as quer capturar numa abcissa espacial e numa ordenada temporal porque sabe que a intenção de fixar, designar ou identificar é e será sempre da ordem do enraizamento, da imobilização, da petrificação. Não há aqui estátuas, mas sujeitos andarilhos, que palmilham, correm, vagueiam, atravessam.


Da mesma forma, a arquitetura e outros artefactos se vêm transformados em elementos de composição gráfica. Os fragmentos de edifícios ou de outros objetos que nos vai devolvendo fazem de cada um deles um lugar extraordinário. Tudo vibra, ondula, mexe, flutua, se arredonda ou parece mesmo levantar voo em direção ao céu. Estamos perante um trabalho formal que valoriza as imagens gráficas, que depura, que intensifica a linha, seleciona a cor – numa evidente aproximação à pintura – mas toda a operação é, afinal, destinada a que o magnetismo da viagem, do deslocamento aconteç.

O fotógrafo não estabelece com este seu gesto uma relação de indexação com o mundo. Apenas nos quer falar das formas e forças operativas que nele se jogam. Vejo nestas imagens um regresso à génese da errância, mas sem a maldição de Caim, ou seja, uma celebração da alegria, da viagem, do desejo ardoroso pelo movimento. Um culto da liberdade.
DA ERRÂNCIA JORGE RAMOS DO Ó NOV2015