OS DESCUIDADOS DE DEUS. #2 JUIZO FINAL.

PAULO ROBALO : 2019.11.30




30 NOVEMBRO A 04 JANEIRO 2019 : PINTURA

Estas figuras são os filhos de um deus menor, de um criador incauto e desatento. São a criação preguiçosa de um humano avacalhado na forma e consequentemente na sua beleza.

Como se o criador napeiro, a despachar, cria-se uma maqueta do que somos mas de forma negligente e sem brilho. Como se de toda a maneira chaleira, o produto da sua criação acabasse sempre num tosco do que deveria ser. Estas figuras, indignadas, revoltadas, iradas, agastadas, abespinhadas, incomodadas, maltratadas, ultrajadas, foram à nascença dilapidadas do seu ser. Continuam sem embargo, seres inconformados com as injustiças desta desequilibrada, perversa e desumanizada existência desenhada por Deus sem afia lápis.
O pintor, centra–se na delicada riqueza plástica destas enigmáticas figuras de olhar sábio. Opondo-se à pobreza dos princípios de criação apresentados. Acentua a nobreza do seu olhar, a sua caracterização psicológica, a sua inteligência, os seus dotes e talentos. Dá voz ao seu grito e fixa o seu olhar no profundo olhar destes símios orfãos de si mesmos. Transforma-os em desalinhados tocadores de concertina, contrariando os seus iniciais desígnios.
Estes Descuidados de Deus, que nasceram com uma mão cheia de nada e um futuro vazio de tudo.
A presente exposição fecha o ciclo desta serie que teve dois momentos expositivos. Retratos e Juizo final,momento em que os Descuidados de Deus levam o criador a tribunal.


PERFORMANCE “Descuidados de Deus”

14 Dezembro 18h30
Quando mais perto de ser homem, maior é o abismo da minha desilusão.
Um salto para uma queda livre no impossível.
A verdade que nego e engano, é que nunca poderei ser homem, e o pior dos castigos é o facto de me entender quase-homem. Vejo-me assim, um ser inacabado, a faltar um nada para ser. Não entanto não.
Alguns procuramos o disfarce, a trapaça – a ver se passa – mas a imitação é sempre defeituosa, e mesmo que não pareça, por dentro de nós ficou a parte incompleta.

Mesmo que seja executado por um profissional – o figurino que nos disfarça de homens – , alguém atento, descobre facilmente as imperfeições. E somos apontados por todos, alvos de riso, do desprezo.

A pior coisa que se pode fazer a um homem é querer ser como ele. Desconfia de imediato, a seguir fica inseguro e defende o território, que diz ser seu, que considera ser toda a extensão de terra que um dia cartografou.

Eu queria tanto ser homem.

Apesar dos seus momentos – são muitos – de tristeza serem pungentes, às vezes uma dor aguda insuportável de viver, quando se realizam em grandes obras ou grandes pensamentos, efemeramente alegres, gozam do prazer da felicidade, um inexplicável que é um orgasmo do conseguimento.

Esse clímax só é dos homens. Nenhum outro ser seja animal, ou vegetal, ainda menos uma pedra, poderá jamais provar essa iguaria. E é isso o que nos falta, aos que estamos tão perto de sermos homens, e que falhamos por vontade de deus.

Ele é o culpado da nossa miséria, da sua miséria. Entediou-se com o acto da criação e deixou-a com um final suspenso. Dizem que se cansou, dizem que foi propositado, dizem que nos quis dar a oportunidade de nos completarmos, sublimando-nos.

Descansou ao sétimo dia e deprimiu. Desapareceu para parte incerta.
E só deu essa oportunidade aos homens.

Luis Robalo

Ficha Técnica da Performance:
Director Artístico: Paulo Robalo Música: João Godinho Design de Som: David Diogo Cenografia: Paulo Robalo Figurinos: Andreia Rocha Encenação: João Didelet Textos: Luis Robalo Vídeo: Miguel Diogo Máscaras: Filipa Godinho Actores: João Didelet e Joana Marques


MASTER CLASS “Enquanto houver animais”

Para a conclusão da série
“Os Descuidados de Deus” – o Juízo Final
Esta cena convida-nos a imaginar o símio com uma bossa existencialista: questiona-se, na presença do Criador, sobre a sua condição, a sua natureza quase-humana e o seu destino inacabado. Será também uma representação da Queda, que nas religiões abraâmicas significa a transição de um estado de inocência para um de desobediência e culpa?
«Que é o macaco para o homem? Uma irrisão ou uma dolorosa vergonha. Tal será o homem para o Super-homem: uma irrisão ou uma dolorosa vergonha.
Percorrestes o caminho que vai do verme ao homem, e ainda em vós resta muito de verme. Outrora fostes macacos, e mesmo agora o homem é mais macaco do que todos os macacos.»
Nietzsche, Assim Falava Zaratustra, Prólogo
São estes macacos que devêm humanos ou somos nós, humanos, que nos vemos refletidos no olhar, inquieto e inquisidor, que nos devolvem? E a irrisória e dolorosa vergonha nasce da consciência da nossa condição animal, atávica e ancestral, ou do destino funesto que desde sempre demos, e cada vez mais damos, à nossa companhia animal?
Enquanto houver animais, estas questões serão inevitáveis.

Intervenientes: Diogo Lidónio e Maria Barroco


+info : PAULO ROBALO

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