RELEASE THE WHITE RABBIT
FERNANDO MARTINS : 2022-12-10
10 de DEZEMBRO A 14 de JANEIRO DE 2023 : FOTOGRAFIA
Quando fui viver para o Reino Unido decidi pôr em prática um projecto ambicioso que há algum tempo tinha em mente: fotografar cada um dos 33 bairros de Londres tendo em conta os atributos culturais, comunidades, áreas verdes, arquitectura etc. No entanto, após algumas semanas de longas caminhadas acabei por desistir, ao constatar que a magnitude daquela cidade tornaria o projecto inconcebível. Ao mesmo tempo, quanto mais me familiarizava com Londres, mais tinha a certeza que estabelecer fronteiras não fazia grande sentido; isolar cada um dos bairros deixara de me interessar. Nessa altura já tinha tirado uma grande quantidade de fotos, e ao olhar para elas mais atentamente comecei a reconhecer e a definir uma unidade que diferia do meu conceito inicial.
Tal como no meu anterior projecto e photobook sobre Lisboa-Cidade Sombra, estas fotos mostravam um lado diferente e menos conhecido de uma cidade. Mas aqui, uma atmosfera sinistra e assombrada parecia pairar sobre a maior parte das imagens. Um edifício imponente abraçado por árvores sinuosas e despidas de folhas com galhos como garras; um Rolls Royce ameaçador com uma matrícula infernal; Uma cabeça gigante de mulher encurralada no metropolitano a olhar-nos fixamente através de portas fechadas. Aqui e ali referências cinematográficas ecoavam: a estética gótica dos filmes de terror da Hammer britânica que atormentaram a minha infância; ângulos distorcidos expressionistas como nos cenários de Robert Wiene ou Karlheinz Martin; as perspectivas simétricas de um ponto de fuga usadas em diversos filmes de Stanley Kubrick. Foi emocionante constatar que captara, quase acidentalmente, uma visão mais pessoal de Londres do que a que resultaria da ideia inicial, que assentava num conceito mais convencional e previsível. Se no meu projecto anterior as fotos me recordavam postais da cidade que deixara para trás, neste assemelhavam-se mais a peculiares cartas de um baralho de Tarot. As imagens irradiavam um inquietante simbolismo arquétipo, pareciam descrever um percurso iniciático. Esta incidência no bizarro, associada à fixação em acessos bloqueados talvez expressem, inconscientemente, os meus receios ou obstáculos na tentativa de integração num novo país. Inspirado em Lewis Carroll chamei ao projecto, que mais tarde se tornou esta exposição Release the White Rabbit (Libertem o Coelho Branco), um título que evoca a procura pelo conhecimento, um olhar para além do óbvio e um passo na direcção do subconsciente.