VIDAS QUEIMADAS
MATHIEU SODORE : 2016-11-19
19 NOVEMBRO A 15 DEZEMBRO 2016 : PINTURA+DESENHO+INSTALAÇÃO
Vidas Queimadas apresenta retratos de mulheres e homens, quer conhecidos quer desconhecidos têm em comum o facto de terem “namorado” a Loucura.
A génese da exposição está conectada com a visita que fiz ao Hospital psiquiátrico Miguel Bombarda no centro da cidade de Lisboa. Neste complexo hospitalar podemos encontrar o pavilhão nº 8, um pavilhão de segurança, que se destinava a enclausurar os “ alienados “ considerados perigosos.
Vidas Queimadas apresenta retratos de mulheres e homens, quer conhecidos quer desconhecidos têm em comum o facto de terem “namorado” a Loucura.
A génese da exposição está conectada com a visita que fiz ao Hospital psiquiátrico Miguel Bombarda no centro da cidade de Lisboa. Neste complexo hospitalar podemos encontrar o pavilhão nº 8, um pavilhão de segurança, que se destinava a enclausurar os “ alienados “ considerados perigosos. Este edifício que foi desactivado apenas no ano 2000, está actualmente fechado. Trata-se de um edifício panóptico construído entre 1893 e 1896 (similar ao tipo de arquitectura idealizada no final do séc. XVIII por Jérémy Bentham), edifício que de um único ponto interior do mesmo permite ver todo o seu interior. O pavilhão 8 é o único panóptico do mundo com um pátio circular aberto. Inicialmente o pavilhão tinha no meio uma torre de vigia.
A singularidade do local assim como a “carga “emocional que emana, impressionaram-me muito e fizeram-me questionar.
Outro ponto que teve a ver com a fascinação que exerce sobre mim a pintura de Géricault e que esteve na origem deste projecto é a sua série de retratos de loucos monómanos, pintada entre 1819 e 1822 (a colecção era constituída inicialmente por dez telas, tendo cinco desaparecido). O que mais reteve a minha atenção é o humanismo que se liberta dessas caras, a execução rápida e precisa e a sensibilidade com que Géricault coloca um novo olhar acerca da alienação.
Todas estas considerações conduziram-me, a idealizar uma exposição que questionasse o olhar e a observação acerca da loucura através do prisma do retrato.
A minha intenção é a de propor um olhar contemporâneo acerca da loucura através da representação gráfica de caras de alienados. Tantos os artistas como os anónimos retratados são contemporâneos ou viveram no séc. XIX, à época de Géricault assim como à época da construção dos primeiros edifícios panópticos e dos primórdios da psiquiatria. Trata-se de por em marcha, uma limpeza histórica que permita questionar a evolução do olhar da sociedade acerca da imagem do doente mental, uma visão panóptica acerca dos laços entre o retrato e a loucura.
O que actualmente é designado como doença mental pode não o ser amanhã. Os diagnósticos que distinguem o normal e o patológico variam em função das épocas. Ainda por cima, sabemos perfeitamente que não há fisionomia característica ou específica da loucura. No entanto o meu objectivo não é de reabilitar a imagem do doente mental nem ilustrar ou demonstrar o que quer que seja, mas trata-se sobretudo de interrogar, e procurar humanismo aonde parece já não existir
Com os retratos de artistas também não pretendo fazer a apologia da loucura como origem do talento. Como é sublinhado justamente pelo pintor Gérard Garouste: “O laço lendário entre a loucura e a arte tornou-se frequentemente um atalho romântico. O delírio não desencadeia nem a pintura e nem tão pouco o oposto é mais verdadeiro”.
A minha ideia assenta maismno que me parece ter conduzido a iniciativa de Géricault: negar a possibilidade de classificar o homem baseando-se na sua fisionomia.
A série Vidas Queimadas evidencia também uma outra problemática contemporânea: O lugar do retrato no século vinte e um. A criação destes quadros é para mim, uma forma de revisitar o retrato como forma de expressão e abordar questões relacionadas com a metodologia do desenho, da pintura e da representação. Penso que actualmente a questão não será a de se inibir a certos efeitos de ilusão na representação mas pelo contrário de os assumir de uma forma consciente, criando espaços onde a intimidade e a subjectividade conjuntamente podem raiar e construir um caminho. O retrato como “ género “, historicamente divide-se entre a parecença e a expressividade, sendo que o meu trabalho pretende explorar esses dois eixos de forma a obter um “ efeito de presença “ a que o Paul Ricoeur denomina “ mais-valia “ em relação a toda a forma de representação e a toda a regra. Resumindo, uma atitude contemporânea e iniciativa que não sendo senão uma pesquisa e uma procura do ser humano, tem por objectivo aproximar-se o mais perto possível da complexidade que reside em cada cara.
Desta forma a concepção da exposição permite o volte-face do princípio panóptico em si mesmo: “ver sem ser visto” que se transforma em “escolhido para ver”.
Mathieu SODORE, Outubro 2016